Treinador converteu tática em coreografia guerreira
José Geraldo Couto
SE HÁ UMA palavra para definir, em seus momentos felizes, o futebol dos times que Telê Santana comandou, essa palavra é fluência. Suas melhores equipes, como a seleção de 1982 e o São Paulo de 1992, justificavam o surrado clichê: "jogavam por música".
Em vez da truncada alternância entre correria e pasmaceira que caracteriza a maior parte do futebol atual, o que se via em campo era uma movimentação constante, ritmada, não apenas daquele que estava com a bola, mas dos seus companheiros, sempre buscando abrir espaços e oferecer opções inesperadas.
Os comandados do treinador Telê eram como que desdobramentos do Telê jogador, assim descrito por Mario Filho numa crônica de 1956: "Telê está sempre se colocando, mudando de posição, e de olho na bola, ela esteja perto ou longe".
O ápice desse estilo de atuação ocorreu na Copa da Espanha, em 82. Poucas vezes o futebol se aproximou tanto da música, da dança e da poesia quanto naquelas partidas de Zico, Sócrates, Falcão e companhia.
Aquele esquadrão foi duplamente injustiçado: primeiro, pelos deuses da bola, que não lhe permitiram, além de encantar, vencer. Disso surgiu a segunda injustiça, de uma parcela da crônica esportiva e dos próprios torcedores: passou-se a condenar aquele time fabuloso como um bando de fracassados, uma trupe de bailarinos que calçava sapatilhas em vez de chuteiras. Como se a beleza fosse pecado e a alegria fosse crime. E como se, no futebol, não existisse o acaso.
Ainda hoje é possível ouvir esse triste discurso. Convido os críticos da seleção de 82 a reverem aqueles jogos com o espírito desarmado. Se continuarem ranzinzas, são um caso perdido.
Em 86, Telê tentou repetir a receita no México, desta vez temperada com um pouco mais de pragmatismo. Mas sem Cerezo, com Zico e Falcão contundidos e Sócrates fora de sua melhor forma, o quadrado mágico se rompeu. Com Elzo e Alemão no meio não era a mesma coisa.
Mesmo assim, o Brasil foi eliminado da Copa na sua melhor partida, contra a França, mais uma vez por conta do acaso.No comando do São Paulo, em 92 e 93, Telê conseguiu reger novamente uma orquestra afinada, e o futebol voltou a fluir como uma coreografia marcial que desconcerta o adversário. E, dessa vez, venceu o melhor.
Alguns treinadores são estrategistas, outros são líderes carismáticos, outros são pais autoritários.
Telê foi tudo isso e muito mais: Telê foi um artista.
(Folha de S. Paulo, 22.04.06)
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